quinta-feira, 19 de julho de 2007








A evolução do desmaio



Por que algumas pessoas perdem os sentidos quando vêem sangue? Segundo pesquisas o que hoje parece inconveniente na verdade é um mecanismo ancestral de sobrevivência



Assim que a faca do professor começa a dissecar a pele do cadáver, a estudante de medicina desmaia. Seus colegas sentem pena, pensam que ela é frágil demais para ser médica. Mas eles estão equivocados: o problema da aluna não é fragilidade. Pessoas saudáveis que desmaiam ao ver algumas gotas de sangue revelam uma estratégia de sobrevivência, não a incapacidade de suportar circunstâncias desagradáveis da vida. Trata-se de um mecanismo de adaptação inscrito nesses indivíduos pela evolução.Durante muito tempo os médicos acreditaram que esse comportamento teria origem psíquica, isto é, seria induzido por emoções, já que não se observa causa orgânica alguma: o eletroencefalograma (EEG) parece normal; os batimentos cardíacos e a pressão arterial estão apenas um pouco elevados; o eletrocardiograma (ECG) mostra que o coração funciona como deveria.Pesquisas recentes, entretanto, mostram que nem todo desmaio tem origem psicológica. Nesses casos, o ritmo cardíaco torna-se mais lento, quase imperceptível; a pressão arterial é extremamente baixa, ficando, às vezes, abaixo do limiar de detecção do instrumento de medida. Ao recobrar a consciência, essas variáveis voltam rapidamente ao normal. Poucos minutos depois, a pessoa já pode ficar em pé. Tudo indica que ela teve um colapso circulatório temporário, ainda que grave − o termo médico para tal ocorrência é síncope. A perda de consciência resulta, claramente, de processos físicos que, do ponto de vista evolutivo, parecem fazer sentido.Nos últimos anos, a medicina descobriu que as raízes da síncope estão no sistema nervoso autônomo (SNA), ramo do sistema nervoso que controla o funcionamento visceral (glândulas e músculos lisos), sempre de forma automática, isto é, independentemente de nossa vontade. O SNA está dividido em dois grupos de nervos: o sistema simpático (que se origina na medula espinhal) e o parassimpático (que parte do tronco cerebral por meio do nervo vago).


O sistema parassimpático promove, entre outras tarefas, redução do batimento cardíaco e dilatação dos vasos, o que diminui a irrigação sangüínea. Já o simpático faz o coração trabalhar com mais força e rapidez, aumentando a quantidade de sangue fornecida aos órgãos; e contrai artérias menores, o que eleva a pressão arterial. A pessoa desmaia quando o sistema parassimpático ordena a redução do batimento cardíaco, diminuindo o fluxo sangüíneo para os órgãos. É a chamada síncope vasovagal: ocorre perda de consciência (síncope), pois os vasos (do latim “vasa”) se dilatam e o nervo vago reduz a atividade cardíaca. NA MEDULAO sistema parassimpático e o nervo vago são controlados pelo tronco cerebral, ou, mais precisamente, pelos centros circulatórios (ver quadro) localizados na medula oblonga, que conecta o cérebro à medula espinhal. Acredita-se que um desses centros – a medula caudal da linha média (CMM, na sigla em inglês) – seja responsável pela síncope vasovagal, já que ela é capaz de estimular o nervo vago, inibindo a tal ponto o sistema simpático que a circulação fica bastante reduzida. Por meio de experimentos em animais, os pesquisadores descobriram que o nervo vago se mostra fortemente ativado nos desmaios “induzidos por sangue”, o que explicaria tanto a fraca pulsação como a virtual parada do coração. A inconsciência resultante é bem similar à do desmaio convencional: os batimentos cardíacos, por exemplo, são quase imperceptíveis e a pressão sangüínea, extremamente baixa.A CMM é ativada sempre que o animal perde de 30% a 40% do volume de sangue (equivalente a cerca de 1,5 a 2 litros nos seres humanos) e a pressão sangüínea na região do tórax cai rapidamente. Como o centro circulatório obtém essa informação? Para responder tal questão, convém examinar os eventos que ocorrem após essa considerável perda de sangue. Em primeiro lugar, para assegurar que esse líquido continue sendo fornecido para o coração e outros órgãos vitais, o centro o redireciona das grandes veias próximas para o coração e os vasos pulmonares. A mudança proporciona uma quantidade extra de sangue que manterá a pressão nas artérias coronárias, pelo menos durante algum tempo.


Mas com o contínuo esvaziamento dos vasos do tórax e a rápida queda da pressão sangüínea, os barorreceptores − sensores da pressão sangüínea localizados nas artérias coronárias e pulmonares – informam essa queda ao tronco cerebral. Quando o nível cai abaixo de um limiar crítico, a CMM sinaliza o colapso circulatório.SEM TRANSFUSÃOQual a vantagem desse tipo de desmaio? Um mecanismo que paralisa o sistema circulatório já debilitado pela enorme perda de sangue não causaria danos ainda maiores? Pesquisa realizada em 2001 pelo médico Ian Roberts, da London School of Hygiene and Tropical Medicine, fornece algumas respostas. Roberts analisou estatísticas de sobrevivência de vítimas de acidente que receberam diversos tratamentos. Descobriu que a prática, comum antigamente, de fazer transfusão de sangue em pessoas que haviam sofrido graves lesões internas causava mais dano do que benefício. A conclusão a que o médico chegou foi que a transfusão aumentava a pressão sangüínea nos vasos danificados e, conseqüentemente, mais sangue fluía através dos ferimentos. Esse fluxo impedia a formação de coágulos e, portanto, de barreiras à hemorragia. Segundo o médico, a indução artificial de maior pressão sangüínea mediante infusão pode perturbar a capacidade natural do corpo de combater a perda de sangue. Assim, um colapso circulatório geral ordenado pelo cérebro pode ser o derradeiro esforço do corpo para deter o sangramento e se recuperar depois de uma enorme perda de sangue. Pela vantagem que esse mecanismo de emergência representa para a sobrevivência, ele foi conservado ao longo da evolução.E o que isso tem a ver com o desmaio motivado pela simples visão de sangue? Ora, também neste caso há um ferimento envolvido, ainda que de outra pessoa. Quando um observador vê o líquido vermelho, esse input sensorial vai dos processadores visuais do cérebro até o centro de avaliação emocional no sistema límbico para, daí, ser encaminhado à CMM. Resultado: a pessoa desmaia.Talvez esse tipo de desmaio seja conseqüência da tentativa do CMM de acionar o mecanismo vasovagal, mesmo nos casos de ferimentos menores. Afinal, as chances de sobrevivência aumentam se a coagulação começar antes que ocorra uma hemorragia grave. Para isso, a reação protetora do corpo precisa ser iniciada assim que o cérebro percebe a primeira evidência de dano ao corpo. O problema é que, quanto menor o limiar que desencadeia o mecanismo de colapso circulatório, maior a chance de um alarme falso, como desmaiar diante da mera visão do sangue de outra pessoa.A ciência demonstra, portanto, que, quando uma pessoa desmaia após ver um ferimento, ela não está revelando fragilidade física, mas uma bem-sucedida estratégia de sobrevivência, ainda que isso possa causar, em certos casos, algum inconveniente.


MECANISMOS PARA SE MANTER EM PÉ
Dois centros circulatórios distintos se localizam na extensão da medula espinhal, a chamada medula oblonga. O núcleo do trato solitário (NTS) equilibra a atividade do nervo vago e do sistema simpático para que a pressão arterial fique constante em torno de 120 mm Hg por 80 mm Hg.O NTS é continuamente informado pelos barorreceptores situados nas principais artérias. Quando eles percebem que o volume de sangue nos pulmões está caindo, esse núcleo pode manter temporariamente constante a pressão sangüínea no resto do corpo. Para realizar essa estabilização, ele inibe o nervo vago e ativa o sistema simpático. Isso eleva a freqüência cardíaca e contrai os vasos, aumentando a pressão do sangue.Outro centro circulatório – a medula caudal da linha média (CMM, na sigla em inglês) – também é constantemente informada sobre a pressão pulmonar. Se essa cair muito (o nível crítico corresponde à perda de cerca de 1,5 litro), a CMM inibe o sistema simpático e estimula o parassimpático. Esse processo diminui a freqüência cardíaca e dilata os vasos. Como resultado dessa reação, chamada vasovagal, a pressão arterial cai de forma significativa e a perda de sangue, causada por uma possível lesão, é estancada. Nos seres humanos, essa resposta pode ocorrer não só quando a pessoa é ferida, mas também quando ela simplesmente vê sangue. Nesse caso, a CMM provavelmente é estimulada pelo sistema límbico, responsável pelo processamento das emoções.






Cérebro tem área ligada a efeito placebo

Estudo ajuda a explicar fenômeno que ocorre em doente que toma remédio falso, mas obtém melhora por auto-sugestãoCircuitos apontados por pesquisa podem vir a ser manipulados para melhorar eficácia de tratamentos, diz cientista autor do trabalho

O funcionamento do chamado efeito placebo, fenômeno por meio do qual alguns doentes melhoram de saúde só de imaginar que estão sob algum tratamento, é um mistério um pouco menos distante a partir de agora. Um grupo de cientistas anuncia hoje ter identificado uma região cerebral que possui um papel fundamental nos impressionantes casos de cura com pílulas de farinha.A região apontada pelos neurocientistas, conhecida como núcleo accumbens, está ligada ao sistema de recompensa do cérebro, que modula o prazer e o vício. De modo geral, os pesquisadores trabalharam com a idéia de que expectativas positivas ou negativas são fatores que influenciam o comportamento. O estudo, publicado hoje na revista "Neuron", mostra que essas expectativas também ressaltam o efeito placebo.Para testar o fenômeno, os cientistas montaram um falso teste clínico e disseram a todos os voluntários que iriam receber uma nova droga ou um placebo -como ocorre nos experimentos reais. Na verdade, porém, todos receberam placebo.Os pesquisadores pediram então que os participantes avaliassem de quanto era a expectativa deles sobre os efeitos do "remédio", assim como o alívio da dor sentido após a ingestão da suposta droga. Nesse meio tempo a equipe mediu, com uma técnica de escaneamento, quanto o núcleo accumbens estava liberando dopamina -neurotransmissor associado à sensação de bem-estar.Os cientistas, liderados por David Scott, da Universidade de Michigan, observaram que nos voluntários que mostraram maior antecipação dos benefícios do suposto remédio, mais dopamina era liberada.Para confirmar o papel do núcleo accumbens, mediu-se a liberação de dopamina em voluntários que recebiam a notícia de que seriam pagos pelo teste. Aqueles que mais liberavam neurotransmissor eram os mesmos que mais acreditavam no sucesso da droga.Os pesquisadores afirmam que talvez seja possível modular os mecanismos envolvidos no efeito placebo com propósitos terapêuticos.